A Jornada de Vitor Gabriel: Do Interior de Minas à Bolívia"

“Vou até o final por ele”: a jornada emocionante de Vitor Gabriel, o zagueiro mineiro que transformou a dor em propósito

Por Advaldo Filho

De Itatiaiuçu, uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, para os campos da Bolívia, o zagueiro Vitor Gabriel Santos da Mota, 25 anos, carrega nas costas não apenas a responsabilidade de defender seu time – o Libertad Quillacollo, da segunda divisão boliviana –, mas também o peso de uma promessa feita ao irmão que partiu cedo demais. Sua história, marcada por humilhações, persistência e fé, é daquelas que o futebol raramente mostra fora das quatro linhas.

Infância tardia no futebol e os primeiros passos difíceis

Filho de Rosângela Santos e Edivaldo, Vitor cresceu sem muitos privilégios. Começou a jogar futebol aos 15 anos, bem depois da maioria dos garotos de sua idade. Até então, gostava mesmo era de correr. Mas foi na corrida atrás da bola que descobriu seu maior sonho: tornar-se jogador profissional.

Com um irmão mais novo sempre ao lado – que também sonhava em ser jogador –, Vitor deu os primeiros passos em projetos sociais de sua cidade. Foi difícil. “Eu era muito humilhado. Os outros já sabiam muito mais do que eu”, conta. Enquanto muitos garotos da idade estavam apenas jogando, Vitor dividia seus dias entre vender picolé desde os 13 anos e treinar três vezes por semana.

Nos campeonatos locais, quase não era aproveitado. Jogava alguns minutos, às vezes apenas quando o time já estava ganhando de goleada. Isso doía. Mas ele insistia. Corria ao redor do campo para melhorar o físico, chegava cedo nos treinos, saía por último, treinava até em casa. Era motivo de chacota: “vai emagrecer mais”, “vai estudar, futebol não é pra você”, ouviu incontáveis vezes. Chorava, mas continuava.


Primeiras viagens e a frustração do quase

A primeira oportunidade fora de casa veio com 17 anos, em um torneio em Brodowski (SP). Treinou muito, queria ser titular, mas o time foi eliminado logo na primeira fase. “Chorei muito naquele dia”, lembra. Foi ali que conheceu Juninho Velocidade, treinador de Itaúna-MG, que marcaria sua vida. Juninho o convidou para treinar no Flamengo de Itaúna e ajudou a lapidar o jovem zagueiro alto e ainda desengonçado.

Começaram a surgir evoluções visíveis. Ainda em 18 anos, foi eleito o melhor zagueiro de um campeonato amador, mesmo sem seu time chegar à final. “Voltou aquela vontade de ser jogador profissional”, conta.

Vieram peneiras no Atlético, no Vila Nova. Sem sucesso. Mas Juninho acreditava: em 2019, arranjou um teste para o Macaé-RJ sub-20. Vitor viajou com outro atleta. Treinou bem, virou titular e chegou a jogar contra os profissionais. “Joguei bem, tirei foto com o zagueiro titular Dilsinho, que me deu muitos conselhos.” Mas o sonho durou pouco: o clube vivia crise financeira, vendeu a categoria sub-20 para outro empresário, e os garotos do teste foram dispensados.

Vitor voltou para casa. Voltou ao SENAI, onde estudava Mecânica a Diesel, e conseguiu um estágio na Usiminas. Com dois meses, foi efetivado – mesmo sem o prazo do estágio acabar. Mas o futebol nunca saiu do coração.

A peneira que mudou tudo

Em 2021, veio o grande ponto de virada. Uma peneira em Igarapé-MG chamou sua atenção. Mesmo sendo no horário de trabalho, pediu autorização ao encarregado. “Você tem hora na casa, vai lá”, ouviu. Conseguiu convencer seu pai a levá-lo, mesmo depois do turno de trabalho noturno.

Entre 200 garotos, muitos com empresários ou passagens por clubes, Vitor não sabia se tinha chance. Foi bem nos dois primeiros dias, no terceiro, foi mal. Achou que estava eliminado. Mas, ao final, ouviu seu nome entre os sete aprovados. “Do medo veio a felicidade.”

A proposta: defender o Atlético Roraima na 1ª divisão do estadual. Era a chance da vida. No carro, seu pai falou: “vai tentar. Empresa tem em todo lugar, mas o sonho só bate na porta uma vez”. Vitor pediu demissão e partiu.

Novos clubes, amadurecimento e a maior dor da vida

Jogou pelo América de São José do Rio Preto, Atlético Clube Paranavaí e, em 2023, foi para a Bolívia defender Universitário de Sucre e Real América. Voltou ao Brasil no fim do ano para rever a família. Tudo parecia seguir bem, até 23 de outubro.

Naquela noite, após um jogo amador, viu seu irmãozinho mais novo com amigos na arquibancada. Notou que ele bebia refrigerante enquanto os colegas tomavam cerveja. Pensou em chamá-lo, mas decidiu tomar banho primeiro. Adormeceu e só percebeu a ausência de manhã.

Horas depois, recebeu a notícia: seu irmão havia morrido em um acidente de carro com os colegas. “Aquilo partiu meu coração. Acabou com minhas esperanças. Era o sonho dele também”, relata, emocionado. Vitor perdeu o chão. Recusou propostas, dizia que não queria mais saber de futebol.

Foi na igreja, em uma Santa Ceia, que encontrou consolo. “Deus me mostrou que ele está salvo, em um lugar sem dor, ao lado de Jesus.”

De volta ao futebol: por ele, pelo sonho

Em abril de 2025, após nove meses de luto, decidiu aceitar uma proposta e retornar à Bolívia, onde hoje defende o Libertad Quillacollo. “Não está sendo fácil, mas decidi seguir por ele. Era o sonho dele também.”

Hoje, com rotina disciplinada – acorda às 7h, treina, malha à tarde, cuida da alimentação e mantém a fé em Deus – Vitor não esquece seu objetivo: “dar uma casa para minha mãe. Esse é o maior sonho.”

Um líder dentro e fora de campo

Zagueiro de origem, Vitor se inspira em Sérgio Ramos: “gosto da liderança dele dentro de campo”. Seus colegas o descrevem como aguerrido e líder. Ele acredita que tudo o que viveu, inclusive a dor, foi parte de um propósito maior. Em um dos clubes onde passou, liderou uma célula onde 11 jovens aceitaram Jesus.

“Futebol é uma batalha constante. Chegar é difícil, manter é ainda mais. Mas sigo confiando em Deus. Ele é meu tudo. A base de tudo o que aconteceu foi o propósito divino. A palavra de Deus segue viva, e tudo foi, é e será para a glória dEle.”


Vitor Gabriel é mais do que um zagueiro. É um exemplo de fé, perseverança e resiliência. Ele não joga apenas por si. Joga por um irmão que virou estrela e por uma família que nunca deixou de acreditar. E, sobretudo, joga por um sonho – o mesmo que o menino da arquibancada sonhava também.

 





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